O voo Madri-Berlim foi meio sacrificante. É no mínimo chato ter de voltar a uma cadeira de avião depois que você já passou 10 horas voando desde o Brasil. O espaço para as minhas pernas parecia encolher a cada minuto. Ainda assim, curti a decolagem. Como tudo nele, Barajas também tem pistas gigantescas. Cheguei a pensar que iríamos para a Alemanha sem tirar as rodas do asfalto. O avião ficou flanando por ali, entre retas e curvas, por uns bons cinco minutos até subir. Aí, começou um falatório danado misturando alemão e espanhol. Estávamos do meio para a frente do avião, imediatamente antes de três "aborrecentes" espanhóis. Cara, nunca vi alguém falar tanto.
Estava sol, com o céu bem limpo. Já próximo à chegada, com o avião numa altitude menor, comecei a apreciar a paisagem. Dava para ver o interior da Alemanha, algumas cidadezinhas isoladas, estradas, lagos e os chamados aerogeradores de energia eólica. O ânimo de chegar a outro país voltou. A estreia, em solo espanhol, foi apenas uma pequena amostra. Não deu para conhecer, de fato, Madri, embora tenha sido suficiente para nos dar o gostinho de estar em terras estrangeiras. Mas seria na Alemanha que nossa viagem iria mesmo começar.
Há planos de desativação do Aeroporto de Tegel, que fica no norte/noroeste da cidade de Berlim. É decente, mas nem chega aos pés do faraônico Barajas. Enquanto passávamos pela tradicional apreensão até avistarmos nossas bagagens, pude ver F. Bauman no saguão, vestido com uma camisa azul e com uma cabeleira de fazer inveja em quem, como eu, já teve a sua própria, mas hoje deve reconhecer que seus fios capilares estão irremediavelmente em extinção. Bauman não tinha esse cabelo no Brasil. Apresentei Hélene ao nosso anfitrião e dali partimos, entre perguntas e respostas de praxe e, obviamente, algumas piadas.
Eram quase 19 horas, mas, a sensação era de ser antes das 17h. O hotel, Dorint, não era longe. Pegamos um ônibus. No meio do papo, o telefone de Bauman tocou: "É o seu pai!". Isso é que é... Corujice!? Nem sei como classificar. Não deu nem tempo de a gente lembrar que a família existia e que deveríamos telefonar e ele já ligou. Mais que isso. Me informava que havia investigado, sabe Deus como, o endereço de Bauman em Hamburgo e "descoberto" que o apartamento estava em nome de um tal de John Eller.
Bauman, estupefato e sem saber se arregalava os olhos ou franzia as sobrancelhas, fez menção de contestar a sanidade mental do meu velho: "Cara, sinceramente, não sei de onde ele tirou isso? Quem é John Eller?". Eu, na minha fanfarronice, deveria tê-lo zoado, mas achei melhor largar para lá: "Meu pai é doido." O busão, amarelo, estava meio vazio. Logo, logo saltamos. Que lugar agradável! A primeira impressão foi a melhor possível. Ruas limpas, tudo bem cuidado. E com um intérprete que nos poupava de ter que conversar com a recepcionista do hotel. Comodidade maior, impossível.
Bem, isso era o que pensávamos até F. Bauman traduzir para nós a informação de que nosso quarto não tinha ar condicionado. "Ah, tudo bem!" Estávamos de bom humor. Subimos, abrimos a janela. Vista para o estacionamento. "Hum, não parece mal". Isso, até vir o primeiro avião, que passou zunindo sobre nossas cabeças! Zzzzzzzzzzzzzzzzz... ZZZZUUUÕÕÕOOUUUMMMMM!!! Mmmmmmmm... Era, simplesmente, ensurdecedor! Estávamos na versão berlinesa do Bairro República (vizinho ao Aeroporto de Vitória-ES). A impressão é de que todos os aviões iriam cair dentro do quarto. E eles passavam, sem dar trégua, em intervalos curtos, de dois em dois minutos. "É, o ar condicionado fará falta...". Lá pelas 20h, os voos pararam. "Beleza!"
Saímos, era a hora de comer. O escolhido foi o sanduíche turco que tinha num quiosque de imigrantes turcos a uma quadra do hotel. Que saudade do tal "döner kebab", com a carne assada sendo cortada na hora, em tirinhas, direto daqueles pedações gigantes que ficam girando num espeto vertical. Uma delícia! Até o repolho roxo, que em circunstâncias normais eu recusaria, foi aprovado. Acho que o original turco é um pouco diferente. Foram feitas adaptações para agradar aos alemães, mas o fato é que é muito bom!
Estávamos na esquina da Müllerstrasse com a Kurt Schumacher Damm, em frente ao Hotel Bärlin, cujo nome, segundo Bauman, é um trocadilho com o nome da cidade e seu mascote, o urso. Pança cheia, hora da cana. Subimos um pouco a pé pela Müllerstrasse/Scharnweberstrasse, na direção contrária da que leva ao centro (que fica a uns bons sete quilômetros de onde estávamos). É um bairro tranquilo, residencial. Nada de balada por ali. Mas havia alguns barzinhos abertos. Paramos num, de duas loiras, sendo que a mais nova só vimos nesse dia. A loira que veria nossas caras todos os dias devia ter uns 45, 50 anos.
O "Bar da Loira" viraria parada obrigatória à noite, antes de voltarmos ao hotel. Dois dias depois, a própria "Loira" já estava íntima, sentando na nossa mesa e tudo. Novamente segundo Bauman, um comportamento incomum. Pelo menos em se tratando de alemães. Enfim, acho que ela queria dar uns pegas no Bauman, isso sim. A estreia em Berlim foi digna. Voltamos semi-trôpegos após alguns litros de três tipos distintos de cerveja, uma clara, outra escura e ainda uma terceira, meio turva. Não me perguntem os nomes delas. O importante é que conseguimos voltar ao hotel, felizes da vida. Quase 48 horas depois, vimos cama. Era a hora do descanso. O turismo começaria no dia seguinte.